quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma estratégia contra o clientelismo

Não é de hoje que aponto (e repercutindo outros) o clientelismo como um dos principais aspectos culturais que dificultam o fomento de redes sociais e o conseqüente incremento em nossos estoques de capital social.

Meu objetivo neste post é apresentar um estratégia contra o clientelismo, ajudando assim a disseminar essa informação e esperando que ela possa ser útil para outras pessoas e agentes sociais engajados no desenvolvimento comunitário.
 O clientelismo significa aquele tipo de agenciamento onde um ator social usa as relações que mantêm com outras pessoas como se essas fossem seus clientes e onde busca conseguir para esse cliente produtos e serviços.
 Se estivéssemos aludindo a uma relação comercial, nada haveria de errado no termo, pois aquele que é cliente de alguém, compra ou adquire deste alguns serviços. É o caso, exemplificando, do corretor de seguros que tem seus clientes e busca no mercado as melhores opções em termos de seguros. Mas, ao falar do clientelismo, não estou me referindo à relações comerciais, e sim à relações sociais e principalmente políticas.

Nesse âmbito a relação clientelista se caracteriza pela intervenção de alguém junto a terceiros para que se consiga um produto e serviço. Em nosso meio, esses produtos e serviços normalmente estão associados a serviços públicos, não sendo exclusivos dessa esfera.

Assim, como exemplos, é o vereador que intervêm junto ao poder publico para que um cidadão consiga um atendimento mais rápido num serviço de saúde, para que a prefeitura envie uma cesta básica para alguém, providencie um local para um funeral e etc.

Infelizmente, não é só o vereador ou os agentes públicos que atuam dessa forma. Em meu trabalho diário no contato com comunidades, vejo que agentes privados também atuam de forma a reforçar o clientelismo. É o caso de alguns (senão muitos) líderes comunitários, normalmente dirigentes de associações de bairros que servem como intermediários junto ao poder público para que, por exemplo, se asfalte uma rua, se ajude numa festa comunitária, providencie um transporte, etc. Não é para se estranhar, pois estamos falando de um fator cultural e não apenas de um vício de servidores públicos.

Esta prática nefasta cria uma reciprocidade negativa, onde o tomador do favor (o cliente), sempre fica devendo para aquele que lhe fez o favor. Assim, esse “favorecedor”, um dia vai cobrar e geralmente manda essa conta num período eleitoral, solicitando votos para políticos que conseguiram os favores que ele solicitou.

Se, por um lado essa prática aumenta o poder daqueles que prestaram favor, por outro lado, enfraquece e subordina o favorecido (o cliente). E pior ainda, tal prática apresenta o efeito de minar a proatividade de uma comunidade na medida em que desestimula a conexão entre as pessoas. Em outras palavras, é uma atitude que transmite a seguinte mensagem para os membros de uma comunidade: “Não se preocupem que eu vou conseguir junto a fulano o que vocês querem ou precisam, assim vocês não precisam se desgastar em fazer abaixo assinados ou reivindicações. Eu sou generoso com vocês e só quero o melhor pra vocês”.

Que comunidade vai se desenvolver sob esta égide? Que necessidade existe em se fazer esforços se tudo pode ser conseguido de forma mais fácil, porem nem sempre de uma forma honesta e com altos custos futuros?

Não se trata de algo fácil de erradicar, pois é algo fartamente difundido na cultura da nossa sociedade. Entretanto, não é impossível de se combater e apresento na seqüência um exemplo de como isso pode ser feito (claro que estou falando de um exemplo e não de um modelo)

A Claudia Venério e a Liliam Cristina de Souza, que atuam fomentado redes sociais e processos de desenvolvimento local em Presidente Prudente (SP), me contaram a forma engenhosas como estão atuando nessa frente.

No processo de mediar as relações junto a governança local do bairro Morada do Sol, em Presidente Prudente, estabeleceram duas práticas muito simples.

Deliberadamente, na medida em que o grupo comunitário ia se apercebendo de necessidades de intervenção do poder público junto a algum aspecto da infra-estrutura ou da vida comunitária, ao invés de confiarem a alguém que levasse ao agente público a solicitação passaram a solicitar e envidar esforços no sentido de levar os agentes públicos a ter contato direto com a comunidade. Assim, por exemplo, caso a necessidade fosse no sentido da reforma da praça do bairro, convidavam o secretário de obras (ou algo semelhante) a comparecer em uma reunião da comunidade para ouvir as necessidades.

Com essa estratégia, que num primeiro momento poderia passar por simples atitude reivindicatória, eliminava-se o papel do intermediário, quer este fosse o presidente da associação de bairros ou o vereador ligado ao bairro.

O caráter educativo dessa estratégia simples é altamente simbólico na quebra do clientelismo. A comunidade passa a perceber que ela não precisa de intermediários para acessar os agentes públicos e, portanto, não se obriga a pagar altos “juros políticos” no futuro. O resultado é uma comunidade mais fortalecida e menos dependente.

Essa prática é tão eficiente e foge tanto do comportamento rotineiro, que o próprio agente público, não identificando um intermediário, estranha e exterioriza sua perplexidade. Esse agente público, que também acabava por ser um “cliente” do intermediário, ganha maior liberdade e pode exercer de forma mais plena seu mandato (ou cargo). A liberdade, portanto, se faz sentir tanto pelo lado da comunidade como pelo lado do agente público e quem sai certamente fortalecido é a democracia.

E vai mais longe essa estratégia, com uma outra ferramenta muito simples: ao solicitar a presença de um agente público para ouvir a comunidade, todos assinam uma espécie de petição que será entregue. Tal documento, tanto pode ser digitado e impresso, como pode ser uma única folha manuscrita contendo a solicitação da audiência e a assinatura de todos que estavam presentes.

Considero deveras simbólico o fato de só assinar que estava presente. Isso sinaliza que aqueles reunidos consideram-se suficientemente emponderados para assumir seu ato. Isso, no entanto, gera desconforto no presidente da associação do bairro, pois “ele não assinou o documento”. E não precisa assinar, pois ele ou ela não estava presente e a comunidade não precisa (e não deveria mesmo precisar) de intermediários. O desconforto, certamente alude a uma perda de poder de controle por parte do dirigente da associação.

Bem, o exemplo é simples, mas, repito, altamente simbólico. Não importa se a solicitação é para a simples pintura de sarjetas ou para a construção de uma creche pública. O exemplo mostra como o comportamento político clientelista pode ser minimamente superado e pode se tornar uma prática, aliado a outras e dentro de um processo contínuo e ampliado, de superação da cultura do clientelismo.

Um comentário:

Suellen Cedroni disse...

Adorei este texto, certamente o clientelismo é um dos principais obstáculos na condução de um processo de desenvolvimento social. Criar meios para romper essa cultura é um grande desafio, mas a única forma de garantir a autonomia social.