terça-feira, 29 de março de 2011

Tocqueville e o Afeto

O texto apresentado abaixo é resumo de algumas idéias de Alexis de Tocqueville relativas à presença do afeto na dimensão política. É uma das atividades da disciplina "A Afetividade e sua Dimensão Ético, Estético e Política", ministrada pela Prof. Bader Sawaia e foi desenvolvido conjuntamente com Camila Miyagui. As idéias estão apenas registradas e não dispostas de uma forma mais coerente e teve o fim de registrar nossas principais conclusões de forma escrita.

Autores: Camila Miyagui e Carlos Alberto Lopes

1 - Contexto



Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi um político e jurista Frances que em 1832 empreendeu uma viagem de 9 meses aos Estados Unidos, na ocasião uma jovem nação do novo continente.


Sua viagem foi financiada por sua família, uma vez que sua solicitação de financiamento ao governo Frances foi negada. Seu objetivo inicial (ou formal) era conhecer o sistema prisional americano. Se o relatório de sua visita no que concerne ao sistema prisional foi produzido, até o momento não chegou ao nosso conhecimento, no entanto, dessa viagem surgiu o hoje já clássico Democracia na América.


Considero que para uma compreensão adequada de seu pensamento, é preciso sempre ter sempre em mente que escreveu para o público de seu país, na ocasião uma nação com as cicatrizes ainda visíveis da violenta revolução que teve sua data marcante em 1789 e que foi marcada pelo uso do terror como estratégia de sucesso. Se a partir dessa revolução a aristocracia perdeu seu poder político, a cultura aristocrática continuou presente nas mentes e corações ainda por muito tempo (é bem provável que ainda hoje encontramos ecos dessa cultura nesses povos, principalmente na França). É para as pessoas mergulhadas nesta cultura que Tocqueville escreveu, daí sua necessidade presente em todo livro de apontar uma miríade de aspectos da vida política e social dos habitantes dos Estados Unidos sempre comparado ao modo de vida dos “povos aristocráticas” (como denomina diversas vezes)

 
Somente uma análise mais acurada do pensamento de Tocqueville poderia revelar como poderíamos classificar o seu pensamento a partir de nossa perspectiva no século XXI, tarefa essa muito aquém do que é possível e pretendido neste brevíssimo texto. Nossa percepção, de um modo geral, aponta um autor que tendia para o liberalismo em termos de pensamento político (independência do cidadão em relação ao estado), e pendendo entre o conservadorismo e a inovação em termos sociais.

 
Citações relativas à Liberalismo e Conservadorismo:


- “Não me perguntem que singular encanto encontram os homens da épocas democráticas em viver iguais, nem as razões particulares que podem ter para apegar-se tão obstinadamente à igualdade mais que aos outros bens que a sociedade lhe oferece... “(TOCQUEVILLE, 1997, p. 384)


- “Que a liberdade política pode, nos seus excessos, comprometer a tranqüilidade e o patrimônio, as vidas dos particulares, não se hão de encontrar homens tão limitados e tão levianos que não o descubram”


- “Eu, por mim, digo que, para combater os males que a igualdade pode produzir, só existe um remédio eficiente: é a liberdade política” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 391)


- “Respeito-os muito para acreditar neles” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 403) (ao se referir ás pessoas que afirmavam esquecer-se de si mesmas ao trabalhar para outros para alcançar “os bens do doutro mundo”)



Seu pensamento esta presente em nossos dias e influencia muitos pensadores. Particularmente nos Estados Unidos, existe uma corrente de pensamento denominada de “comunitaristas” que prega ou busca uma forma de vida conforme relatada por Tocqueville em sua obra. Robert Putnam, numa ironia fina, afirma que Tocquevile é “o santo padroeiro do comunitaristas americanos” (PUTNAM, 2000, p. 24)


2 - Os Afetos



2.1 - Igualdade


Destaca o sentimento de igualdade presente entre os americanos.


Igualdade aqui significa “igualdade de oportunidade”. Todos tem as mesmas oportunidades e os indivíduos se diferenciam pela forma como aproveitam (ou deixam de aproveitar) as oportunidades à sua disposição.


Assim, um homem pode ser rico ou pobre de acordo com seu esforço ou sua capacidade de aproveitar as oportunidades que aparecem em seu caminho.


Igualdade também é vista em oposição ao sentimento presente na cultura aristocrática, onde claramente existia uma linha de subordinação do rei ao camponês. Nesse sentido, um homem sempre teria superiores e inferiores.


- “o fato particular e dominante que singulariza estes séculos é a igualdade de condições; a paixão principal que agita os homens em tais ocasiões é o amor por essa igualdade” ((TOCQUEVILLE, 1997, p. 384)



2.2 - Individualismo


Para Tocqueville esse sentimento é decorrente do sentimento de igualdade. Se todos são iguais nas oportunidade e nas opiniões (“luzes“ como denomina), se não existe uma linha de subordinação na sociedade, cada um se sente tão potente como os demais, gerando o sentimento de bastar-se a si próprio. Isso leva as pessoas a se voltar para os interesses pessoais e buscar aí a sua satisfação.


- “tem as suas fontes nos defeitos do espírito, tanto quanto nos vícios do coração” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 386)


- “[...] é de origem democrática e ameaça desenvolver-se à medida que se igualam as condições” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 386)






2.3 - Egoísmo


Este sentimento alimenta o sentimento de individualismo. Já que todos são iguais, que cada um cuide de si e de sua família. “É um amor apaixonado e por si mesmo, que leva o homem a nada relacionar senão a ele apenas e a preferir-se a tudo” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 386)






2.4 - Liberdade


O sentimento de liberdade e igualdade estão associados (“[...] igualdade dentro da liberdade [...]”). Liberdade parecer ter um sentido absoluto, pois se todos são iguais, ninguém é livre o suficiente para fazer o que quiser. A igualdade impõe esses limites.


Assim, a liberdade que se tem e que é admitida no outro “levam grande número de cidadãos a prezar a afeição de seus vizinhos e de seu próximo..... e os forçam a ajudar-se mutuamente) (TOCQUEVILLE, 1997, p. 390)






2.5 - Associação


De um modo geral, a capacidade de associar com outros é tratada como uma característica marcante da sociedade americana. Neste contexto, associativismo pode ser entendido como um sentimento gerado a partir da percepção de fragilidade individual perante os problemas que precisam ser enfrentados. Se todos são iguais, ninguém, potencialmente, pode pretender mais poder ou conhecimento que outro. Assim, visto que muitos problemas são muito maiores que a capacidade individual de resolve-los, a única alternativa é recorrer ao poder coletivo, conseguido no ato de associação com os demais na busca de objetivos comuns (não importa nesses caso o tipo de objetivo, se particular, público ou coletivo, para o bem o para o mal não importando o entendimento desses termos, se pequeno ou grande, se é uma questão cotidiana ou elevada)


- “A partir do momento em que se tratam em comum os assuntos comuns, cada homem percebe que não é tão independente dos seus semelhantes quanto imaginava no princípio e, para obter o seu apoio, muitas vezes é necessário emprestar-lhe o seu concurso”. (TOCQUEVILLE, 1997, p. 387)


- “Em toda parte onde, à frente de uma empresa nova, vemos na França o governo e na Inglaterra um grande senhor, tenhamos certeza de perceber, nos Estados Unidos, uma associação”. (TOCQUEVILLE, 1997, p. 392)






3 - Síntese dos Principais Pontos do Texto


Os povos democráticos amam a liberdade. Como desejo das sociedades democráticas, a liberdade passa a ser almejada na medida em que as condições começaram a se igualar. A igualdade precede a liberdade.


• Igualdade faz parte dos hábitos


• Liberdade faz parte dos planos das ideias e dos gostos.


Os povos democráticos têm gosto natural pela liberdade e paixão pela igualdade.






Do individualismo nos países democráticos. (Diferença entre o egoísmo e o individualismo)


• O egoísmo é o amor apaixonado por si mesmo.


• O individualismo já é algo refletido, que fez com que o homem abandone a sociedade, à coletividade. É de origem democrática e se desenvolve quando se igualam as condições. Ao igualarem as condições, os indivíduos sentem-se responsáveis pelos seus destinos.


Como o individualismo é maior ao fim de uma revolução democrática do que em outra época.


• A sociedade democrática acaba formando homens egoístas e isolados uns dos outros. A democracia leva os homens a se aproximarem de seus semelhantes.


Como os americanos combatem o individualismo por meio de instituições livres.


• Igualdade põe os homens como semelhantes, sem fortalecerem os laços. O despotismo fortalece a indiferença entre eles, uma espécie de virtude pública. Ex. necessidade de liberdade – não é tão independente de seus semelhantes, como achava. Por meio da liberdade, os americanos foram capazes de combater o individualismo que a igualdade fazia nascer. Criaram uma vida política a cada território e a representação de que um dependia do outro para os negócios. Percebe-se uma relação entre a questão pública e os negócios privados – particular/geral. Ex. liberdades locais – ricos democráticos têm necessidades dos pobres.


• Estão buscando meio para aumentar a riqueza e satisfazer as necessidades do público – propriedade do povo. O espírito de que vive em sociedade é recordado a partir de instituições livres e dos direitos políticos. O dever e os interesses dos homens é tornarem-se úteis aos seus semelhantes.






Do uso que fazem os americanos da associação na vida civil


• As associações comerciais, industriais e políticas – poderosos meios de ações, meios de agir. Há uma relação entre as associações e a igualdade? Isso implica ressaltar as diferenças entre a sociedade aristocrática e a sociedade democrática.


• Critica ao governo, que somente dita às regras e impõe os sentimentos e as ideias que lhe favorece. Já as associações são capazes de que os indivíduos tenham uma ação recíproca uns com os outros. “a ciência da associação é a ciência mãe”. (pg.394).


Relações entre as associações civis e as associações políticas


• Há uma relação entre associação política e civil? A associação política e desenvolve e aperfeiçoa a associação civil. A política generaliza o gosto e o habito de uma associação. Ela faz nascer outras grandes associações.


• Cidadãos frágeis não podem imaginar uma ideia da força que podem adquirir unindo-se. É no seio das associações políticas que os americanos tomam gostos pela associação.


• Do ponto de vista de uma nação, as associações políticas perturbam o Estado e a paralisam as indústrias. Do ponto de vista de um povo, a liberdade de associação política é favorável ao bem-estar e à tranqüilidade.






4 – Síntese sobre os afetos para Tocqueville


De um modo geral, parece que Tocquevile reserva aos afetos um papel importante no que tange à igualdade, liberdade, individualismo e no associativismo, no entanto, parece que reveste estes afetos de um caráter racional, raciocinado e intencional.


Tal impressão torna-se mais evidente quando se refere à “doutrina do interesse bem compreendido” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 300-404). Dessa forma, um indivíduo não atua junto aos outros por amor e dedicação ao próximo, mas a partir de um cálculo racional de que, dadas as condições de igualdade e liberdade, necessita do outro.


- “Não creio ..... que haja mais egoísmo entre nós do que na América; a única diferença é que lá o egoísmo é esclarecido, e aqui de modo algum o é” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 402)





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