quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capital Social e Desenvolvimento Comunitário1 - Carta Rede Social 56 - Augusto de Franco

Reproduzo abaixo, a Carta Rede Social 56. Tenho utilizado este texto em muitos treinamentos, pois em poucas páginas esta condensado a essencia da formação de redes e dos conceitos de capital social. Como já tive oportunidade de falar pesssoalmente para Augusto, ele estava extremamente inspirado quando escreveu este texto (mais do que o normal dele).

Alem de possibilitar um fácil entendimento conceitual, tem a beleza de nos transportar para a situação em que ele descreve, principalmente no trecho "Um silencio que explica muita coisa". É quase impossivel ler este texto se se colocar nessa situação. "O silencio que explica muita coisa", explica muita coisa.

Este texto é parte do livro o Lugar Mais Desenvolvido do Mundo de autoria de Augusto de Franco e pode ser retirado em http://www.4shared.com/file/82095662/9397a0b2/O_lugar_mais_desenvolvido_do_mundo_-_reeditado1.html)


Capital Social e Desenvolvimento Comunitário

Augusto de Franco - 18/04/2004
do mundo”.

Na ‘Carta DLIS 55’ transcrevi a apresentação e descrevi o conteúdo desse manual. Na presente ‘Carta DLIS 56’ vou transcrever os sete pequenos capítulos da sua primeira parte, intitulada:

CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Capítulo 1 – Um silêncio que explica muita coisa

“De carro ou de ônibus, você já deve ter passado por muitas cidades pobres, consideradas pouco desenvolvidas, que ficam na beira de qualquer estrada do País. Infelizmente, essa cidade pode até ser aquela em que você vive.

Em geral, o que você vê nessas ocasiões? Muitos canteiros floridos? Bancos de pedra circundados por jardins bem-cuidados? Magníficas esculturas de artistas locais? Um portal fabuloso, onde jovens da localidade dão as boas vindas aos visitantes e entregam flores e folhetos contando a história e descrevendo a geografia do município e o que ele tem de bom, os produtos que fabrica, as festas que realiza?

Não. O que você vê são peças de carro enferrujadas, pneus velhos, refugo de material de construção, fachadas sujas, paredes faltando pedaços ou com o reboco descascado, vidros basculantes quebrados. E, além disso, entulho e lixo. Muito lixo amontoado.

Realmente é muito triste.

Se você entrar nessa cidade e perguntar às pessoas que vivem ali porque elas não cuidam da fachada da sua própria cidade, elas olharão espantadas e responderão: “Ora, porque eu não tenho nada a ver com isso”. Ou então dirão: “A culpa é dos políticos, que não fazem nada”.

Se você retrucar – “Mas já que os políticos não fazem nada, por quê vocês mesmos não tomam a iniciativa? Será que vocês não podem juntar aí umas vinte ou trinta pessoas e, num domingo de manhã qualquer, promover um mutirão para remover o lixo, caiar as fachadas das casas, consertar as paredes, substituir os vidros quebrados?” – provavelmente ouvirá o silêncio como resposta. Preste bastante atenção nesse silêncio. Ele explica muita coisa.

Capítulo 2 – O silêncio que explica porque uma localidade é considerada pouco desenvolvida

Bom, mas aí você entra na cidade e procura as lideranças locais: o prefeito, os vereadores, os líderes comunitários, os presidentes dos sindicatos rural e dos trabalhadores, os donos da padaria e da farmácia, o padre e o pastor, o juiz de direito, o gerente do banco. Você procura essas pessoas para conversar com elas sobre o desenvolvimento daquela localidade.

Digamos que você consiga fazer uma reunião com algumas dessas pessoas. E que, durante a reunião, você pergunte se ali naquela cidade existem analfabetos jovens, que abandonaram a escola sem chegar a aprender a ler e escrever. Você pergunta quantos são esses analfabetos e se é possível saber quem são eles. Provavelmente haverá uma pequena discussão. Ninguém saberá o número exato. Depois de rápida troca de opiniões, sairá a resposta. “Bom. Aqui devem ter mais ou menos uns trezentos analfabetos jovens”.

Você continua: “E vocês sabem quem são esses jovens, onde eles moram?” Eles responderão que sim, e podem até começar a citar nomes: “É o filho da Toinha, que ajuda o pai na roça; e tem também os três filhos do Esmênia, que enviuvou no ano passado...”. E a lista vai prosseguindo à medida que os presentes vão lembrando de outras pessoas.

Aí você interrompe e pergunta: “Mas por quê vocês deixaram a situação chegar a esse ponto?”

A primeira reação do pessoal da cidade será defensiva. Eles apresentarão uma justificativa mais ou menos assim (e não importa se você está no estado do Pará, na Bahia ou no Vale do Ribeira, em São Paulo): “O governo (estadual ou federal) não ajuda. Nós somos fracos. Sozinhos, não damos conta. Além disso, tem tanto problema pra resolver... A prefeitura não tem um tostão furado. Não consegue nem pagar os salários dos funcionários. E o povo não quer nada. Não é unido. Cada um só pensa nos seus negócios, na sua vida”.

Então você pergunta: “Mas vem cá, pessoal. Será que nessa cidade, que tem quase vinte mil habitantes (vamos imaginar que seja assim), será que não tem aqui uma professora aposentada, um gerente de banco com tempo sobrando, um aluno mais adiantado cujas noites estão livres ou qualquer outra pessoa que possa alfabetizar esses jovens? Será que é muito difícil organizar algumas turmas de alfabetização todo dia, das 7 às 9 da noite, no salão paroquial ou na sede do sindicato?”

O pessoal responderá que não, que é possível fazer isso. Que até já foi tentado, certa vez, pelo fulano. Mas que a coisa acabou esfriando quando esse fulano se mudou para a capital.

Você continua insistindo e pergunta: “Mas se é assim tão fácil, por quê vocês não fazem?”

Então você ouvirá como resposta novamente aquele silêncio. Aquele silêncio denso, profundo, mas que explica tudo. Explica porque aquela localidade é considerada um lugar pouco desenvolvido.

Capítulo 3 – A pergunta certa

Para entender o que é desenvolvimento, a pergunta que precisamos fazer não pode ser por quê uma determinada localidade conseguiu se desenvolver. Ou, de onde vieram os recursos para promover esse desenvolvimento. Ou, ainda, quem teve a idéia genial de investir ali, nesse ou naquele setor econômico, que prosperou e puxou o desenvolvimento da localidade como um todo.

Para entender o que é desenvolvimento comunitário a pergunta que devemos fazer é por quê uma comunidade não está conseguindo se desenvolver, o que a está impedindo de fazer isso. Ou, em outras palavras, por quê as pessoas, coletivamente, não estão tomando a iniciativa de promover o seu próprio desenvolvimento.

Essa é a pergunta certa.

A resposta para essa pergunta nos levará diretamente para um novo conceito, para uma nova idéia que tenta explicar por quê, em certos ambientes sociais, as pessoas se sentem com poder suficiente para promover, coletivamente, o seu próprio desenvolvimento e por quê, em outros ambientes, as pessoas não estão suficientemente empoderadas para fazer isso.

E por quê, em determinadas sociedades, as pessoas acreditam nas outras e confiam umas nas outras quando decidem fazer juntas uma coisa qualquer. Desde um mutirão para limpar a fachada da cidade até um programa local de alfabetização de jovens. E, ao contrário, por que, em outras sociedades, as pessoas acham sempre que são fracas para fazer qualquer coisa, que precisam que venha alguém de fora – mais poderoso, mais forte, com mais recursos – para resolver os problemas que elas, sozinhas, nunca darão conta de solucionar. Nessas sociedades, as pessoas não acreditam nas outras, não empreendem nada junto com as outras porque imaginam que as outras vão deixá-las na mão na hora “H”. Têm medo de se comprometer a ajudar alguém e, depois, quando precisarem de ajuda, não aparecer ninguém para retribuir.

O nome do novo conceito, que foi construído para explicar essa diferença, é capital social.

Para entender o que é capital social não basta ler uma definição do termo. Capital social é uma idéia que tem a ver com o poder das pessoas para fazer, coletivamente, alguma coisa. Mas é um “poder social”. É a sociedade que confere esse poder (ou seja, que empodera) seus indivíduos. É o ambiente social que insufla essa espécie de “energia” que explica, por exemplo, porque certas localidades parecem estar “vivas” enquanto que outras parecem estar morrendo ou fenecendo.

Pois bem. Esse “poder social” depende, por sua vez, da forma como se organiza e como atua o poder político. Se o poder político se estrutura verticalmente, hierarquicamente, como uma pirâmide: poucos em cima e muitos na base, sem muitas conexões entre si, então esse “poder social” será muito reduzido e as pessoas terão medo de empreender, desconfiarão umas das outras e não farão muitas coisas juntas. E se o poder político atua de modo centralizador e autoritário, se não procura criar condições para a participação coletiva, para que as pessoas possam tomar decisões coletivas democraticamente, então esse “poder social” será baixo.

Pelo contrário, se existem muitas redes sociais – quer dizer, se as pessoas estão conectadas umas às outras e se elas podem ter múltiplos caminhos para chegar até as outras – e se, além disso, existem muitos processos democrático-participativos acontecendo (conselhos, fóruns e agências de desenvolvimento, com a presença de pessoas do governo, das empresas e das organizações da sociedade civil), então esse “poder social” será alto.

Em outras palavras, quanto mais rede e mais democracia participativa houver, maior será o nível, o estoque ou o fluxo do capital social de uma sociedade. E quanto menos redes e menos processos democrático-participativos houver, menor será o capital social de uma localidade.

Ora, quanto menor o capital social de uma localidade, menor o seu desenvolvimento. Aqui não tem erro nem exceção. Uma localidade com nível insuficiente de capital social também terá um nível insuficiente de desenvolvimento. Não importa se você levar para essa localidade uma empresa enorme, que dê emprego para todas as pessoas. Do ponto de vista do desenvolvimento essas pessoas continuarão pobres e a localidade continuará pobre. Porque, desse ponto de vista – e ao contrário do que tanto se repete – pobreza não é insuficiência de renda e sim insuficiência de desenvolvimento.

Se concordamos com isso, então temos que voltar à nossa pergunta fundamental para entender o que é desenvolvimento comunitário. A pergunta fundamental é: por quê uma comunidade não está conseguindo se desenvolver, o que a está impedindo de fazer isso? Ou, em outras palavras, por quê as pessoas, coletivamente, não estão tomando a iniciativa de promover o seu próprio desenvolvimento?

Vamos insistir nessa pergunta. Sem respondê-la não poderemos compreender por quê uma determinada localidade é considerada bem desenvolvida e, outra localidade, é considerada pouco desenvolvida.

Capítulo 4 – Os grandes exterminadores do capital social

A questão é descobrir o que está impedindo as pessoas de exercitarem o protagonismo na solução de seus próprios problemas e porque elas não estão conseguindo aproveitar tantas oportunidades que se abrem diariamente diante de seus olhos.

Por quê?

A resposta tem a ver, como dissemos, com a maneira como o poder político se estrutura e como ele atua. Tem a ver, em outras palavras, com os padrões de organização e com os modos de regulação (de conflitos) que são praticados.

Se as pessoas ficam esperando que as coisas que podem melhorar a sua vida venham sempre de cima, de algum poder maior e, acreditando nisso, ficam paralisadas, então não podem mesmo se desenvolver, nem individual, nem coletivamente. Todavia, as pessoas não nascem acreditando nisso (ou seja, acreditando que as coisas boas vêm de cima e deixando de acreditar nelas próprias). Isso entrou na cabeça delas em algum momento. Alguém colocou isso lá. Algum tipo de sistema político está interessado em que as pessoas pensem assim e não ajam por si mesmas, não caminhem com suas próprias pernas.

Para quê? Para ficar dependendo sempre de algum intermediário. De alguém que atue como despachante dos recursos públicos, e também como padrinho para oferecer proteção, indicar cargos e ministrar vantagens, favorecimentos e privilégios e que, em troca desses serviços, obtenha votos e os vários tipos de apoios que são necessários para continuar no posto em que estão ou para conquistar uma nova posição de poder. Assim vai se formando uma cadeia vertical, cujos elos inferiores são o vereador e o prefeito, mas que passa pelo deputado estadual e pelo governador, pelo deputado federal e pelo senador e chega ao presidente. Mas que envolve também muito mais gente, como, por exemplo, parte da burocracia estatal e os detentores de cargos de confiança – os principais auxiliares, como os ministros e os secretários estaduais e municipais e uma multidão de assessores – que trabalham, direta ou indiretamente, para satisfazer as pretensões políticas daqueles titulares que os nomearam.

Em geral os sistemas políticos, organizados verticalmente e atuando, em grande parte, autocraticamente, só conseguem se manter desativando o empreendedorismo, o protagonismo e a participação coletiva. Eles fazem isso através de três práticas principais: a centralização e o centralismo, o assistencialismo e o clientelismo.

Essas três práticas se constituem como os grandes exterminadores do capital social. Quanto mais centralismo, quanto mais assistencialismo e quanto mais clientelismo forem praticados em uma localidade, menor será o seu capital social. E menor, portanto, será o nível de desenvolvimento dessa localidade.

Capítulo 5 – O que é necessário explicar

Uma comunidade – se for realmente uma comunidade e não apenas uma coletividade de pessoas assentadas sobre um mesmo território – só não se desenvolve se houver alguma coisa que a impeça de fazê-lo. E uma coletividade assentada sobre um mesmo território só não se constituirá como uma verdadeira comunidade se houver alguma coisa que a impeça de fazê-lo.

Dizer isso significa assumir o seguinte: os seres humanos em sociedade, deixados a si mesmos, são capazes de gerar ordem espontaneamente a partir da sua interação. Mas isso desde que essa interação seja – em algum grau – cooperativa.

Mas significa dizer, além disso, que essa interação será sempre – em algum grau – cooperativa. A menos que algo impeça a ampliação social dessa cooperação, induzindo a competição sistemática. Uma competição tão forte que inviabilize a ampliação social dessa cooperação.

Isso é o capital social: cooperação ampliada socialmente. Cooperação que se reproduz socialmente.

Não existiria sociedade humana se os seres humanos não cooperassem espontaneamente.

Não é preciso explicar a cooperação. O que é preciso explicar é a falta de cooperação. Segundo esse ponto de vista o ser humano é inerentemente cooperativo. Se não for, não será ser humano. Há aqui, obviamente, uma aposta antropológica, que se distancia bastante das visões biológicas darwinistas, que dizem que o seres humanos (ou os seus genes, ou os seus memes) são inerentemente competitivos.

Quem trabalha com desenvolvimento comunitário, tem que fazer essa aposta. Se não fizer, o melhor é que deixe de trabalhar com comunidades. Comunidades são o resultado da capacidade que os seres humanos têm, quando colocados em interação durante certo tempo, de cooperar.

Alguém pode dizer que uma aposta como essa não é uma coisa muito científica. A ciência nunca provou que os seres humanos são capazes de cooperar espontaneamente. E está certo. Essa aposta nada tem de científica mesmo. Assim como nada tem de científica a aposta na democracia. Ninguém pode mostrar, cientificamente, que a democracia é um regime melhor (ou menos pior) do que os outros. Existem, aliás, muitas evidências em contrário. Por exemplo, como é que os que sabem alguma coisa podem ser governados pelos que não sabem? Como é que alguém que não tem conhecimentos suficientes sobre as implicações ecológicas de um empreendimento (por exemplo, a construção de uma barragem ou a transposição de um rio) pode ser capaz de tomar decisões-chave sobre esse empreendimento, decisões que podem acarretar graves conseqüências sócio-ambientais? No entanto, apesar disso, preferimos apostar na democracia. Apostar na democracia significa também, no fundo, apostar na capacidade dos seres humanos de estabelecerem, por si mesmos, pactos de convivência que não inviabilizem a sobrevivência coletiva. Significa apostar que os seres humanos, deixados a si mesmos, não vão se entregar a uma guerra de todos contra todos.

Um filósofo chamado Hobbes não apostava na democracia porque pensava que, deixados a si mesmos, os seres humanos iriam acabar se destruindo, porque cada um combateria permanentemente os outros para satisfazer seus próprios interesses egoístas. No limite, isso inviabilizaria a convivência humana e a sua própria sobrevivência em sociedade. Hobbes não poderia ser mesmo um democrata. Mas muita gente que se diz hoje democrata, porque pega mal dizer outra coisa, ainda pensa como Hobbes. Os Estados ainda são, em alguma medida, hobbesianos. Eles se organizam para impor às sociedades um determinado padrão de ordem, para “pacificar” os seres humanos, impedir que guerreiem continuamente entre si e se destruam.

Os que apostam na democracia participativa, pelo contrário, acham que padrões de ordem podem emergir da livre interação dos humanos. Assim, os que apostam na democracia também apostam na capacidade da sociedade humana de gerar ordem espontaneamente a partir da cooperação.

Em outras palavras: quem aposta no desenvolvimento comunitário aposta na democracia. Isso não significa, como é lógico, que quem aposta na democracia aposta necessariamente no desenvolvimento comunitário. Mas significa que quem não aposta na democracia não pode apostar no desenvolvimento comunitário.

Capítulo 6 – Para ganhar, tem que apostar

Para promover o desenvolvimento comunitário só há um caminho: investir no capital social. Mas se o capital social é produzido espontaneamente, por quê então é necessário investir nele?

É uma boa pergunta, não? Para essa boa pergunta temos também uma boa resposta. O capital social só é produzido espontaneamente em certas condições “ambientais”. Se organizarmos as pessoas hierarquicamente, como numa pirâmide e se impedimos a sua participação democrática, então o capital social deixa de ser produzido espontaneamente. Ou melhor, deixa de ser produzido na quantidade e na qualidade necessárias para constituir uma comunidade bem desenvolvida. Por quê? Porque, nessas circunstâncias, a cooperação não está podendo se ampliar e se reproduzir socialmente.

Se organizarmos uma sociedade como uma ordem militar, por exemplo, a produção de capital social vai lá pra baixo, para perto de zero.

E se inviabilizarmos que as pessoas se juntem para, a partir da cooperação, decidir sobre o seu próprio destino coletivo e agir conseqüentemente para traçar um caminho em direção ao futuro que desejam alcançar, então o capital social também não vai conseguir ser produzido em quantidade e em qualidade suficientes para promover o desenvolvimento humano e social sustentável daquela coletividade.

Se desenharmos e aplicarmos políticas e programas centralizadores, assistencialistas e clientelistas, então, igualmente, o capital social não vai se produzir e reproduzir na sociedade na quantidade e na qualidade necessárias para promover o desenvolvimento comunitário.

Quando praticamos essas coisas – hierarquia, autocracia, centralização, assistencialismo e clientelismo – estamos, simplesmente, criando ambientes sociais nos quais o capital social não pode florescer, se acumular e se expandir, porque estamos inviabilizando a ampliação social da cooperação. Do ponto de vista adotado aqui – o ponto de vista do desenvolvimento comunitário – estamos criando ambientes anti-humanos.

Agora, uma coisa é certa. Se não criarmos tais ambientes – letais para o capital social – e, pelo contrário, estimularmos a existência de redes sociais e de processos democrático-participativos, então é “batata”: o capital social vai florescer, vai se acumular e vai se expandir. Quanto mais fizermos isso, quanto mais redes e quanto mais processos democrático-participativos forem praticados, mais capital social haverá. E mais desenvolvimento comunitário haverá.

Portanto, é necessário investir mesmo no capital social. Mas investir no capital social significa o quê? Significa investir em redes e em democracia local. Ou seja, significa desconstituir as formas de organização piramidais e os processos de decisão centralizadores.

Esse investimento tem que ser feito na prática e não no discurso. Não adianta para nada fazer comícios contra as hierarquias e contra a falta de participação democrática. Também de nada adianta condenar os agentes políticos centralizadores, que promovem políticas e programas assistencialistas e clientelistas. É como se um investidor da Bolsa, ao invés de comprar as ações de uma determinada empresa, quisesse ter resultados apenas elogiando tal empresa e falando mal das outras. Se quiser ganhar, esse investidor tem que apostar. Para investir em capital social é a mesma coisa. Temos que apostar naquela sociedade, naquela comunidade. Temos que acreditar que, provendo a conexão horizontal entre pessoas e grupos, aumentando o número de caminhos entre esses nodos, alguma coisa acontecerá que desencadeará a produção e a reprodução do capital social. Temos que acreditar que abrindo novos espaços de participação cidadã, construindo novas institucionalidades participativas, alguma coisa acontecerá que promoverá o aumento do capital social naquela sociedade.

Capítulo 7 – Desenvolvimento se alimenta de paz

Existe ainda uma outra maneira de destruir capital social ou de impedir a sua geração: a guerra. Qualquer tipo de guerra. Guerra fria ou guerra quente. E também política praticada como se fosse uma espécie de guerra.

Se a gente intervém numa localidade qualquer e estabelece logo divisões no seu interior, entre quem está a favor ou quem está contra uma determinada proposta ou uma determinada organização e trata tudo a partir dessa divisão, separando as pessoas em amigas e inimigas, então o capital social terá muita dificuldade para ser produzido ali.

Quem faz política como se estivesse numa guerra, quem persegue sempre destruir alguém e tratá-lo como inimigo só porque ele não está do seu lado ou sob a sua influência, é um exterminador de capital social. Muitas vezes, governos e partidos agem assim. Quando agem assim, se comportam como exterminadores de capital social. Quando agem assim não podem ser agentes do desenvolvimento comunitário.

Por quê? Porque quando agem assim aumentam a desconfiança das pessoas umas nas outras ao invés de encorajá-las a cooperarem entre si. Instaurando nas sociedades um clima adversarial e anti-humano, tais agentes inviabilizam a produção espontânea do capital social.

Capital social é um bem precioso mas é como uma plantinha delicada que precisa de condições adequadas para florescer. Num clima de guerra, essa plantinha definha, fenece, morre. Capital social precisa de paz. A paz é o alimento do desenvolvimento humano e social sustentável”.

Como disse na carta anterior, estou encarregado, pela AED, de escrever um manual de desenvolvimento local para comunidades. Ele vai se chamar “Construindo o lugar mais desenvolvido

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