quarta-feira, 26 de março de 2014

Criando um Negocio Social - Muhammad Yunus

Meu primeiro impulso ao ler este livro foi sair correndo e iniciar um negócio social, tamanho é o entusiasmo do autor com sua própria criação do conceito.
Depois, fiquei imaginando como seria fascinante se um dos nossos grandes empresários, um daqueles que tem grande talento para ganhar dinheiro, explorar mercados e fazer fortunas, pudesse usar esses dons para empreender um negócio social, afinal de contas, na concepção de Yunos um negócio social opera da mesma forma que um negócio lucrativo, ou seja, define um mercado para atuação, traça estratégias de produtos, marketing, distribuição, preços, etc.

A diferença fundamental para Yunos, entre um negócio lucrativo e um negócio social, consiste em alguns pontos:
1. O grande propósito de um negócio social é resolver um determinado problema social.
2. Não deve gerar lucros para os proprietários ou acionistas, mas gerar um valor social para as pessoas pobres (como ele sempre se refere aos que vivem com muito poucos recursos).
3. Precisa perseguir a sustentabilidade econômica, ou seja, o resultado financeiro deve cobrir os custos e o superávit gerado deve ser empregado no fim social.
4. Aquele que investe capital financeiro num negocio social, deve receber de volta somente o que aplicou, sem correção monetária, juros ou dividendos.
5. Entende que o negócio social deve ser "ambientalmente consciente" e oferecer condições de trabalho melhor do as "usuais".

Uma questão de fundo neste livro, muito embora pouco explorada, é sobre as causas da pobreza. Segundo Yunos a "pobreza é criada pelo sistema que construímos, pelas instituições que concebemos e pelos conceitos que formulamos". Fundamentalmente, penso, ele esta nos perguntando porque sempre temos que perseguir o lucro egoísta. Ao fazer isso, nos alerta que também temos um lado altruísta e generoso enquanto humanidade, justificando esse pensamento pelas milhares de pessoas que trabalham voluntariamente, doam recursos para caridade ou assistência social, mantêm fundações, ONGs e etc.
Esse altruísmo e a crítica ao "lucro sagrado", constituem as bases para defesa do negocio social como ferramenta para eliminar a pobreza. Assim, o negócio social é alçado à condição de salvação de todas as lavouras, e não obstante o autor reconhecer timidamente outras iniciativas de ações sociais, continua apresentando o negocio social como sendo sempre mais vantajoso.

Talvez o autor tenha intencionalmente optado por escrever um guia razoavelmente prático de como se montar um negócio social. Sendo assim, é uma leitura estimulante e alentadora e, no todo, o livro pode servir de inspiração para muitas pessoas.

Se foi concebido como um guia prático, precisa ser lido com cuidado e com uma boa dose de espírito crítico. Dessa forma, nessa suposta concepção de guia prático, algumas questões são apresentadas de forma superficial e estereotipada. Não se trata, de minha parte, de uma crítica ao pensamento do autor, pois conheço-o muito pouco, mas uma alerta na forma como alguns pontos foram colocados. Destaco 2 deles:
1. Consigo concordar com autor que o capitalismo "Inventou um conto de fadas em torno da prosperidade para todos", mas dizer que este "criou a pobreza ao se concentrar exclusivamente no lucro", parece ser um grande exagero. A pobreza, em minha percepção, já existia antes do capitalismo. Podemos ponderar que o capitalismo tende à aumentar a desigualdade e explorar muitos em detrimento de poucos, dependendo das regulamentações e de muitas outras variáveis.

2. Parece ingenuidade afirmar que seria mais "fácil e eficaz" que os governos dessem "incentivos aos ricos para que resolvam os problemas sociais por iniciativa própria" ao invés de usar recursos para "apenas criar redes de segurança e outros programas públicos ineficientes". Aqui, deixo três perguntas:
a. Será que criar redes de segurança é inócuo?
b. Todos os programas públicos são ineficientes?
c. Será que teríamos um mundo muito melhor se fossemos governados somente pelos ricos e capitalistas?

Associado à essas questões tratadas de forma superficial, destaco um tom ufanista presente no livro quando Yunos fala de um "mercado de ações sociais", de um futuro museu dedicado à pobreza (já erradicada) e da poderosa ferramenta que derrotou essa pobreza, ou seja, o seu negocio social. Neste caso, sou obrigado à admitir a possibilidade de que talvez meu pensamento esteja muito embotado com os princípios do lucro e do ganho e deles não tenha me libertado de forma suficiente. Do mesmo modo, preciso ponderar que talvez o exercício de futurologia seja um boa dose de encorajamento do autor.

"Pra não dizer que não falei das flores", lembrando de Vandré, sinto que preciso fazer justiça neste texto - pelo menos aquela sob a minha concepção - e destacar que encontrei pontos de muita inspiração no livro.
1. Ao descrever como começou a se engajar com as questões sociais, afirma que sentiu o "vazio dos conceitos econômicos tradicionais diante da fome e da pobreza". É como nos sentimos em muitos momentos da vida diante da pobreza constrangedora. No caso de Yunus este foi seu chamado.

2. Considero muito nobre sua declaração de que “os pobres são pessoas plenamente equipadas com as habilidades e a inteligência necessárias para se libertarem da pobreza – desde que tenha a oportunidade de fazê-lo”. Em minha visão, essa frase bate de frente com o pensamento assistencialista.

3. Considero uma declaração de amor à vida quando afirma que "todos os que vivem neste planeta sofrem pessoalmente quando a vida de qualquer um é desperdiçada. Afinal, a vida que é desperdiçada poderia ter o potencial de crescer e se tornar o médico que salvaria a vida do meu próprio neto, ou o cientista que inventaria um dispositivo para salvar o planeta do aquecimento global, ou o artista que criaria uma magnífica obra de arte para eu desfrutar na velhice. Por que deveríamos desperdiçar essa oportunidade?”.


Para finalizar essa provisória resenha opinativa, quero destacar, que este é um livro que merece ser lido. Como todos os livro, ideias e pensamentos, precisa passar pela crítica sincera e pela prática das perguntas genuínas. É nosso elixir para a aprendizagem permanente.