Depois, fiquei imaginando como seria fascinante se um dos
nossos grandes empresários, um daqueles que tem grande talento para ganhar
dinheiro, explorar mercados e fazer fortunas, pudesse usar esses dons para
empreender um negócio social, afinal de contas, na concepção de Yunos um
negócio social opera da mesma forma que um negócio lucrativo, ou seja, define
um mercado para atuação, traça estratégias de produtos, marketing,
distribuição, preços, etc.
A diferença fundamental para Yunos, entre um negócio lucrativo
e um negócio social, consiste em alguns pontos:
1. O
grande propósito de um negócio social é resolver um determinado problema
social.
2. Não
deve gerar lucros para os proprietários ou acionistas, mas gerar um valor
social para as pessoas pobres (como ele sempre se refere aos que vivem com
muito poucos recursos).
3.
Precisa perseguir a sustentabilidade econômica, ou seja, o resultado financeiro
deve cobrir os custos e o superávit gerado deve ser empregado no fim social.
4.
Aquele que investe capital financeiro num negocio social, deve receber de volta
somente o que aplicou, sem correção monetária, juros ou dividendos.
5.
Entende que o negócio social deve ser "ambientalmente consciente" e
oferecer condições de trabalho melhor do as "usuais".
Uma questão de fundo neste livro, muito embora pouco
explorada, é sobre as causas da pobreza. Segundo Yunos a "pobreza é criada pelo sistema que construímos, pelas instituições
que concebemos e pelos conceitos que formulamos". Fundamentalmente,
penso, ele esta nos perguntando porque sempre temos que perseguir o lucro
egoísta. Ao fazer isso, nos alerta que também temos um lado altruísta e
generoso enquanto humanidade, justificando esse pensamento pelas milhares de
pessoas que trabalham voluntariamente, doam recursos para caridade ou
assistência social, mantêm fundações, ONGs e etc.
Esse altruísmo e a crítica ao "lucro sagrado",
constituem as bases para defesa do negocio social como ferramenta para eliminar
a pobreza. Assim, o negócio social é alçado à condição de salvação de todas as
lavouras, e não obstante o autor reconhecer timidamente outras iniciativas de
ações sociais, continua apresentando o negocio social como sendo sempre mais
vantajoso.
Talvez o autor tenha intencionalmente optado por escrever
um guia razoavelmente prático de como se montar um negócio social. Sendo assim,
é uma leitura estimulante e alentadora e, no todo, o livro pode servir de
inspiração para muitas pessoas.
Se foi concebido como um guia prático, precisa ser lido
com cuidado e com uma boa dose de espírito crítico. Dessa forma, nessa suposta
concepção de guia prático, algumas questões são apresentadas de forma
superficial e estereotipada. Não se trata, de minha parte, de uma crítica ao
pensamento do autor, pois conheço-o muito pouco, mas uma alerta na forma como
alguns pontos foram colocados. Destaco 2 deles:
1. Consigo concordar
com autor que o capitalismo "Inventou
um conto de fadas em torno da prosperidade para todos", mas dizer que
este "criou a pobreza ao se
concentrar exclusivamente no lucro", parece ser um grande exagero. A
pobreza, em minha percepção, já existia antes do capitalismo. Podemos ponderar
que o capitalismo tende à aumentar a desigualdade e explorar muitos em
detrimento de poucos, dependendo das regulamentações e de muitas outras
variáveis.
2. Parece ingenuidade
afirmar que seria mais "fácil e
eficaz" que os governos dessem "incentivos
aos ricos para que resolvam os problemas sociais por iniciativa própria"
ao invés de usar recursos para "apenas
criar redes de segurança e outros programas públicos ineficientes".
Aqui, deixo três perguntas:
a. Será que criar redes
de segurança é inócuo?
b. Todos os programas
públicos são ineficientes?
c. Será que teríamos um
mundo muito melhor se fossemos governados somente pelos ricos e capitalistas?
Associado à essas questões tratadas de forma superficial,
destaco um tom ufanista presente no livro quando Yunos fala de um "mercado de ações sociais", de
um futuro museu dedicado à pobreza (já erradicada) e da poderosa ferramenta que
derrotou essa pobreza, ou seja, o seu negocio social. Neste caso, sou obrigado
à admitir a possibilidade de que talvez meu pensamento esteja muito embotado
com os princípios do lucro e do ganho e deles não tenha me libertado de forma
suficiente. Do mesmo modo, preciso ponderar que talvez o exercício de
futurologia seja um boa dose de encorajamento do autor.
"Pra não dizer que não falei das flores", lembrando
de Vandré, sinto que preciso fazer justiça neste texto - pelo menos aquela sob
a minha concepção - e destacar que encontrei pontos de muita inspiração no
livro.
1. Ao
descrever como começou a se engajar com as questões sociais, afirma que sentiu
o "vazio dos conceitos econômicos
tradicionais diante da fome e da pobreza". É como nos sentimos em
muitos momentos da vida diante da pobreza constrangedora. No caso de Yunus este
foi seu chamado.
2.
Considero muito nobre sua declaração de que “os
pobres são pessoas plenamente equipadas com as habilidades e a inteligência
necessárias para se libertarem da pobreza – desde que tenha a oportunidade de
fazê-lo”. Em minha visão, essa frase bate de frente com o pensamento
assistencialista.
3. Considero
uma declaração de amor à vida quando afirma que "todos os que vivem neste planeta sofrem pessoalmente quando a
vida de qualquer um é desperdiçada. Afinal, a vida que é desperdiçada poderia
ter o potencial de crescer e se tornar o médico que salvaria a vida do meu
próprio neto, ou o cientista que inventaria um dispositivo para salvar o
planeta do aquecimento global, ou o artista que criaria uma magnífica obra de
arte para eu desfrutar na velhice. Por que deveríamos desperdiçar essa
oportunidade?”.
Para finalizar essa provisória resenha opinativa, quero
destacar, que este é um livro que merece ser lido. Como todos os livro, ideias
e pensamentos, precisa passar pela crítica sincera e pela prática das perguntas
genuínas. É nosso elixir para a aprendizagem permanente.
Um comentário:
Muito bom Parabéns!
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