O título é uma metáfora para ilustrar o decréscimo do
capital social nos Estados Unidos no último quarto do século 20 e seria algo próximo à jogar futebol sozinho no
Brasil.
Além da monumental quantidade de dados, Bowling Alone é rico
em análises e interpretações tanto sobre as funções do capital social, sua
associação com outras variáveis da vida social (saúde, educação, desigualdade,
violência, etc.), assim como em estratégias para se incrementar os níveis de
capital social. Segundo o Prof. Ladislau Dowbor da PUC-SP, este é um dos três
livros necessários para se entender os Estados Unidos (O segundo livro para
esse fim é Roosevelt e Hopkins de Robert E. Sherwood, Nova Fronteira e o
terceiro eu não me lembro - assim que encontrar o Ladislau vou perguntar
novamente e complemento a informação).
Já em Bowling Alone Putnam havia declarado que situações de
crise, guerras ou catástrofes naturais poderiam ser catalisadores para a
criação de situações capazes de incrementar os níveis de capital social. Logo
após os ataques de 11 de setembro à Nova Iorque e Washington Putnam empreende um levantamento de opinião sobre atitudes
e comportamentos indicadores dos níveis de capital social.
O texto que traduzi para o português e apresento abaixo,
revela que sinteticamente houve uma mudança nas atitudes, mas não nos
comportamentos. Diferente da segunda guerra mundial, os americanos perderam a
oportunidade de usar a crise para criar as bases para um aumento no capital
social.
Jogando Boliche Juntos*
Autor:
Robert Putnam
Ilustrações:
Laurent
Cilluffo
*Tradução:
Carlos Lopes
* Livre
reprodução para o português brasileiro do texto de Robert Putnam
para fins de
estudo Não existe vantagem financeira
e ficam preservados os direitos de cópia.
As últimas décadas do século XX encontraram
os americanos cada vez menos conectados uns com os outros e com a vida
coletiva. Nós votamos menos, nos juntamos menos, doamos menos, confiamos menos,
investimos menos tempo nos assuntos públicos, e nos engajados menos com os
nossos amigos, nossos vizinhos, e até mesmo com nossas famílias. O nosso
"nós" seguramente ficou mais murcho.
A
tragédia indescritível de 11 de setembro interrompeu drasticamente aquela
tendência. Quase instantaneamente, redescobrimos os nossos amigos, nossos
vizinhos, nossas instituições públicas, e nosso destino compartilhado. Quase
dois anos atrás, eu escrevi no meu livro Bowling Alone, que restaurar o
engajamento cívico na América "seria facilitada por uma crise nacional
palpável, como uma guerra, depressão ou um desastre natural, mas, para o bem e para
o mal, a América no início do novo século não enfrenta tais crises
galvanizadoras".
Agora
nós fizemos.
Mas o 11 de setembro é um período que
coloca um ponto final a uma era e abre uma nova, com um capítulo com maior espírito
comunitário em nossa história? Ou é apenas uma vírgula, uma breve pausa durante
a qual olhamos para cima por um momento e depois voltamos para nossas
atividades solitárias? Em suma, quanto completa e duradouramente os valores e
hábitos cívicos da América foram transformado pelos ataques terroristas do
outono passado?
Durante
o verão e o outono de 2000, eu e meus colegas conduzimos uma pesquisa nacional
sobre atitudes e comportamentos cívicos, perguntando sobre tudo, desde a
votação até cantar em corais, de leitura de jornais à casamento inter-racial.
Recentemente, voltamos a muitas das mesmas pessoas e propusemos as mesmas
questões. Nossa pesquisa ocorreu de meados de outubro a meados de novembro de
2001, englobando a crise do anthrax e
o início da guerra do Afeganistão. Emergindo do recente trauma da morte e
destruição indescritíveis, esses 500 americanos estavam se ajustando a um mundo
e uma nação diferentes.
Embora o efeito imediato dos ataques
fosse claramente devastador, a vida pessoal da maioria dos americanos voltou ao
normal de forma relativamente rápida. Por exemplo, apesar de relatos anedóticos
do aumento da prática religiosa no rescaldo da tragédia, não encontramos
nenhuma evidência de qualquer mudança na religiosidade ou na frequência à
igreja. Nosso principal interesse, no entanto, não era com a mudança na vida
privada dos americanos, mas com as implicações dos ataques e suas consequências
para a vida cívica americana. E nesses domínios, encontramos prova inequívoca
de mudança.
Os
níveis de consciência política e engajamento são substancialmente mais elevados
do que eram há um ano nos Estados Unidos. Na verdade, eles são provavelmente
mais elevados agora do que foram pelo menos nas três últimas décadas. Confiança
no governo e na polícia e interesse na política estão em alta. Em comparação
com um ano atrás, os americanos estão um pouco mais propensos a participar de
reuniões políticas ou a trabalhar em projetos comunitários. Por outro lado,
estamos menos propensos a concordar que "as pessoas que dirigem minha
comunidade realmente não se importam com o que eu penso". Sem dúvida, este
é, em parte, o resultado de um surto de patriotismo e efeito da síndrome de
"reverência à bandeira"[1]
, mas também reflete uma apreciação mais ampla do papel das instituições
públicas na abordagem não só do terrorismo, mas também de outras questões
nacionais urgentes. O resultado? Uma explosão dramática e provavelmente sem
precedentes de entusiasmo em relação ao governo federal.
Usando uma pergunta padrão ("Quanto
você pode confiar no governo em Washington para fazer o que é certo, o tempo
todo, na maioria das vezes, por algum tempo ou nenhuma parte do tempo?"),
verificamos que 51 por cento dos nossos entrevistados expressaram maior
confiança no governo federal em 2001, do que tinham feito no ano anterior. Sem
dúvida, a identidade do comandante-em-chefe tem relação com o maior aumento da
confiança entre os republicanos, os sulistas, e os brancos; mesmo antes do 11
de Setembro o advento de um governo republicano provavelmente já tinha mudado a
polaridade partidária desta questão. Não obstante o bipartidarismo, o efeito
nacional dos ataques terroristas e suas consequências é claro.
Embora
tenhamos encontrado mudanças de atitudes cívicas de modo uniforme entre grupos
étnicos, classes sociais e regiões, algumas mudanças foram registradas de forma
mais acentuada entre os americanos mais jovens (35 anos ou menos) do que entre
os mais velhos. Interesse em assuntos públicos, por exemplo, cresceu 27 por
cento entre os jovens, em comparação com 8% entre os entrevistados mais velhos.
Confiança nas "pessoas que dirigem sua comunidade" cresceu 19% entre
os jovens, em comparação com 4% por cento entre os mais velhos.
Todavia, americanos de todas as fases de
vida expressaram maior interesse nos assuntos públicos do que tinham feito
durante a campanha política nacional de 2000. Este aumento na consciência
política não tem, no entanto, levado a maioria dos americanos a se juntar e
participar de organizações comunitárias ou para aparecer para as reuniões de
clubes de encontro dos quais eles já tinham fugido. De um modo geral, as
atitudes (como confiança e interesse) mudaram mais do que o comportamento. O
comportamento seguirá as atitudes? É uma pergunta importante. Se a resposta for
não, a floração da consciência cívica do 11 de setembro pode ser de curta
duração.
Os americanos não só confiam mais nas
instituições políticas: Também confiam mais uns nos outros, desde vizinhos e
colegas de trabalho até vendedores de lojas e completos desconhecidos. Mais
americanos agora expressam a confiança de que as pessoas em suas comunidades
cooperariam, por exemplo, voluntariamente com medidas de conservação de energia
ou pelo uso adequado de água. De fato, na esteira dos ataques terroristas, mais
americanos relataram ter cooperado com os seus vizinhos para resolver problemas
comuns. Menos de nós nos sentimos completamente isolados socialmente, no
sentido de não ter a quem recorrer em uma crise pessoal. Ao mesmo tempo,
estamos menos propensos a visitar mais amigos. Assistir televisão aumentou de
2,9 horas para 3,4 horas por dia. Nesse sentido, seja por medo ou por causa da
recessão, os americanos estão mais enclausurados agora do que há um ano.
De fato,a
confiança dos americanos em relação aos árabes é agora cerca de 10% abaixo do
nível expresso em relação a outras minorias étnicas. Em anos anteriores, nós
não tínhamos a necessidade de perguntar sobre a confiança em árabes-americanos,
por isso não podemos ter certeza de que este dado diminuiu, mas parece provável
que sim. Da mesma forma, verificamos que os americanos estão um pouco mais
hostis em relação aos direitos dos imigrantes. Outras pesquisas têm mostrado que o ceticismo público
sobre a imigração aumentou em 2001, mas essa tendência pode refletir a
recessão, tanto quanto os ataques terroristas. No entanto, apesar dos sinais de
apoio público para as técnicas de aplicação da lei antiterrorista que podem
invadir as liberdades civis, a nossa pesquisa constatou que os americanos são,
em alguns aspectos, mais tolerantes à diversidade cultural agora do que eram há
um ano. A oposição à exclusão dos livros "impopulares" das
bibliotecas públicas, na verdade passou de 64% para 71%. Em suma, com a
importante, mas parcial e delimitada exceção de atitudes em relação a
imigrantes e arábes-americanos, nossos resultados sugerem que os americanos
sentem-se tanto mais unidos como mais confortáveis com a diversidade da nação.
Descobrimos também que os americanos
tornaram-se um pouco mais generosos, embora as mudanças neste domínio são mais
limitados do que os relatórios anedóticos sugeriram. Mais pessoas em 2001 do
que em 2000, relataram que estão trabalhando em um projeto comunitário ou fizeram
doação de dinheiro ou sangue. Voluntariado ocasional está ligeiramente mais
alto , mas o voluntariado regular (pelo menos duas vezes por mês) permanece
inalterado na proporção de um para cada sete americanos. Comparando com os
dados imediatos à tragédia, nossos dados sugerem que a maior parte do aumento
mensurável na generosidade ocorreu dentro de poucas semanas.
No
rescaldo da tragédia de setembro, uma janela de oportunidade se abriu para uma
espécie de renovação cívica que ocorre apenas uma ou duas vezes por século.
Ainda assim, apesar de a crise ter revelado e reabastecido os desejos de
solidariedade nas comunidades americanas, esses desejos até agora permanecem
inexplorados. Pelo menos, é isso que a distância entre as atitudes e o
comportamento sugere. Solidariedade cívica é o que Albert Hirschman chamou de
"recurso moral", distinto de recurso material, que aumenta com o uso
e diminui com o desuso. Mudanças de atitude por si só, não importa o quão
promissoras sejam, não constituem renovação cívica.
Americanos
adultos que viveram um pouco antes e durante a Segunda Guerra Mundial foram
duradouramente moldados por aquela crise. Em toda sua vida, essa geração votou
mais, juntou-se mais e fez mais doações. Mas a chamada grande geração forjou
não apenas disposição e símbolos, por mais importantes que eles tenham sido;
mas também produziu grandes políticas nacionais e instituições (como o GI Bill)
e práticas pessoais centradas na comunidade (como unidades de reciclagem e os
jardins de vitória). Até agora, porém, o novo clima da América manifestou-se em
grande parte por meio de próprias imagens dos ataques, por exemplo, na campanha
"Eu sou um americano", que poderosamente retrata nossa sociedade e
gestos multiculturais, como a visita do presidente a uma mesquita.
Imagens
importam. Que poderosa lição de cidadania inclusiva teria sido transmitida se
Franklin Delano Roosevelt tivesse visitado um santuário xintoísta em janeiro de
1942! Mas as imagens por si só não criam pontos de virada na história de uma
nação. Isso exige mudança institucionalizada. Para ajudar a promover uma nova
"grande geração," a administração Bush deveria endossar o projeto de
lei oferecido pelos senadores John McCain e Evan Bayh para quintuplicar o
financiamento destinado ao programa nacional de serviços da juventude do
AmeriCorps. E dado que os jovens americanos estão mais abertas à participação
política do que foram em muitos anos, os líderes educacionais e políticos deveriam
aproveitar este momento para incentivar o envolvimento dos jovens em movimentos
políticos e sociais. O movimento popular para restaurar a garantia da
fidelidade nas salas de aula americanas defende um fino simbolismo, mas o
momento é apropriado para também introduzir uma nova e mais ativista educação
cívica em nossas escolas .
Finalmente,
os ativistas devem reconhecer que a mobilização em tempo de guerra também pode
desencadear o progresso para a justiça social e integração racial, tanto quanto
as experiências da Segunda Guerra Mundial ajudaram a gerar o movimento dos
direitos civis da década de 1950. Os Americanos hoje, nossas pesquisas sugerem,
são mais abertos do que nunca para a ideia de que as pessoas de todas as
origens devem ser membros plenos da nossa comunidade nacional. Os progressistas
devem trabalhar para traduzir essa disposição nacional em iniciativas políticas
concretas que criem pontes étnicas e entre divisões de classe em nossa
sociedade cada vez mais multicultural.
[1]
Tradução livre da expressão americana "rally round the flag" que
implica em menor nível de critica às ações do presidente.
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